As 10 comunidades terapêuticas do Distrito Federal e de Goiás inspecionadas por entidades fiscalizatórias tiveram registros de violações de direitos humanos das pessoas que estavam internadas. A constatação consta em um estudo do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura divulgado na quinta-feira (27/3) feito com base em levantamento dos últimos 13 anos em unidades dessa natureza que trabalham em uma lógica assistencial.
A pesquisa compilou todas as inspeções feitas pelo próprio órgão, pelo Ministério Público Federal, Ministério do Trabalho e Emprego e por conselhos regionais e federal de psicologia desde 2011 pelo país. Nos 205 casos analisados, todos registraram violações em comunidades terapêuticas.
“Suas necessidades mais elementares são supridas por meio da negação de sua humanidade, sua coisificação e desumanização”, destaca o texto.
No Distrito Federal, são cinco unidades identificadas com algum tipo de violação. O caso mais recente é comunidade terapêutica vinculada à Igreja Soberania Divina. Em abril de 2023, o responsável pela instituição foi incluído na lista suja de trabalho análogo à escravidão.
Segundo as investigações, Alírio Caetano dos Santos Júnior mantinha 78 trabalhares em situação análoga à escravidão, sendo inclusive pessoas que estavam no centro terapêutico para tratar de vícios em álcool e drogas.
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O levantamento também apontou o caso da Ong Salve a Si, renomeada para Instituto Eu Sou, que também apresentou um regime de trabalho análogo à escravidão, com internos submetidos a uma jornada de 14 horas de trabalho.
Na visita do Mecanismo em 2023, o órgão apresentou falhas da instituição ao racionar a medicação e ao recolher o dinheiro que os internos teriam direito pelo Bolsa Família.
No documento divulgado, o Mecanismo apontou que as comunidades terapêuticas seguem padrões similares. Uma delas é a privação de liberdade, com diversos institutos localizados em áreas rurais, em regiões ermas e inacessíveis.
Outro ponto é o emprego da laborterapia, quando o trabalho é forçado e não pago, como justificativa do tratamento e usada para economia ou arrecadação de recursos da instituição. Um terceiro fator em comum é o caráter religioso, com confissões compulsórias e desrespeito às crenças religiosas diferentes das professadas pela comunidade.
Com a justificativa de suprir uma lacuna assistencial, especialmente envolvendo situações de drogas, as comunidades terapêuticas ganharam espaço no Brasil. Para o órgão federal, contudo, as atividades desses centros têm contribuído para aumentar essa lacuna.
“Se os trabalhos consensualmente apontaram quanto às CTs fiscalizadas que elas não eram instituições de cuidado, as CTs, na verdade, têm ocupado o lugar de reais instituições assistenciais, evitando que elas sejam ampliadas e fortalecidas”, aponta o texto.
“Ou seja, as CTs são um dos principais empecilhos para realmente sanarmos tais lacunas assistenciais, sobretudo se considerarmos que boa parte do fundo público está sendo drenado por elas, ao passo que poderia (e deveria) estar sendo destinado a serviços assistenciais públicos substitutivos como as Unidades de Acolhimento (UAs), CAPSad, entre outros”, segue o texto.
Veja locais que apresentaram violações de direitos humanos com os anos das inspeções
No DF
Fazenda do Senhor Jesus (2011)
Centro de Recuperação Leão de Judá (2015 e 2016)
Caverna do Adulão (2018)
Salve a Si (Instituto Eu Sou) (2018 e 2024)
Igreja Soberania Divina (Comunidade Terapêutica vinculada à Igreja) (2024)
Em Goiás
Instituto Batuíra de Saúde Mental Goiás Sim (2011)
Comunidade Terapêutica Feminina Conhecer a Cristo (2011)
Unidade Terapêutica Gênesis Goiás Sim (2011)
Associação Beneficente Metamorfose Goiás (2011)
Comunidade Terapêutica Restauração Goiás Sim (2011)