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Fotos históricas mostram festas juninas em Brasília desde os anos 1950

As festas juninas têm suas raízes na tradição católica de celebrar os santos populares São João, São Pedro e Santo Antônio. Essas festividades se estabeleceram como uma data importante no calendário cultural do Distrito Federal, comemoradas com danças, comidas típicas, quadrilhas e outras atividades festivas, tanto em quadras residenciais quanto, posteriormente, em eventos organizados por escolas, igrejas, clubes e outras instituições sociais.

Os arraiais se tornaram populares em Brasília devido à migração de pessoas de diversas regiões do país para a cidade – os candangos. Com o processo de construção e desenvolvimento da nova capital, a partir da década de 1950, pessoas de diferentes estados brasileiros migraram para o Centro-Oeste em busca de oportunidades de trabalho e uma vida melhor. Com eles, trouxeram suas tradições, incluindo as festas juninas.

O que muitas pessoas não sabem é que, antes mesmo de Brasília ser oficialmente inaugurada, já haviam registros das primeiras festividades em homenagem a São João e outros santos no território.

O Arquivo Público do Distrito Federal possui um acervo com imagens das festas juninas que ocorreram na capital do país ainda no período de construção da cidade e nos anos posteriores à inauguração.

Segundo o superintendente do órgão, Adalberto Scigliano, desde o início, Brasília se transformou em um caldeirão cultural. “As festas juninas emergiram como um elemento significativo desse panorama diversificado. Os nordestinos desempenharam um papel fundamental na construção e crescimento da capital, migrando em busca de oportunidades nos primeiros anos de sua existência. Com eles, trouxeram as alegres e animadas celebrações juninas, profundamente enraizadas em séculos de tradição nordestinas”, comenta.

Uma dessas fotografias é datada de 21 de junho de 1959, porém não há informações sobre a localização exata da celebração. A imagem mostra um grupo formado por homens e mulheres, trajados com roupas típicas de festa junina. O grupo está de mãos dadas e parece formar uma quadrilha. Veja:

Festa junina em Brasília no ano de 1959

Como forma de trazer entretenimento para a recém-inaugurada capital, o Iate Clube de Brasília também foi responsável por promover uma das primeiras festas juninas da cidade, ainda nos anos de 1961 e 1962. A instituição é famosa até os diais atuais pela organização do tradicional Arraiá do Iate.

De acordo com registros do clube, a primeira celebração, que também marcou o aniversário de um ano do espaço, foi realizada no dia 24 de junho de 1961. A festa teve início às 21h e contou com show, danças na pérgula e boite, exibição de quadrilhas, queima de fogos de artifício, além de outras atrações. O traje exigido era passeio, esporte ou caipira.

Já o festejo do ano seguinte, em 1962, foi marcado por leilões, casamento na roça, fogueira, corrida de sacos e corrida do ovo.

Recordação de pioneira

Natanry Osório, 85 anos, natural de Goiânia, chegou a Brasília em 1959. Ela desempenhou um papel fundamental na construção da capital federal. Casada com o advogado pioneiro da nova Capital, Antonio Carlos Osório, a professora dedicou-se à educação, lecionando em Taguatinga, onde foi responsável por alfabetizar a primeira turma de candangos da cidade-satélite.

Segundo ela, as festas juninas promovidas pelo Iate Clube e o Clube do Congresso eram fenomenais e trouxeram agito para a cidade. No entanto, a festividade que ficou marcada na memória dela foi uma promovida nas entrequadras 105/106 da Asa Sul, em 1960.

“Podemos dizer que, se não a pioneira, foi uma das primeiras festas de São João em Brasília. Ela foi realizada exatamente dois meses após inauguração da cidade, no dia 21 de junho de 1960, com o intuito de angariar fundos para a Casa do Candango”, conta Natanry.

O arraiá em questão foi organizado pela esposa de Plínio Salgado e fundadora da Ação Social do Planalto (ASP), Carmela Patti Salgado, com o apoio de um grupo de pioneiras e mulheres de parlamentares.

“É uma recordação que eu ainda tenho muito presente na lembrança. Fui eu quem cortou e colou as bandeirolas dessa festa. Foi tudo muito lindo. Teve barraquinhas de comidas típicas e a tradicional quadrilha. Brasília naquela época era uma grande família”, recorda a pioneira.

Foi essa festa junina, inclusive, que originou um outro evento bastante tradicional na cidade: a Festa dos Estados, que teve início em 1961, nessa mesma quadra. Organizada por moradores para arrecadar fundos para a Casa do Candango, cada barraca trazia comidas típicas de um estado brasileiro. A ideia deu tão certo, que ganhou força e se transformou em um dos mais importantes eventos das primeiras décadas de Brasília.

Expansão e tradições das festas juninas em Brasília

Com o passar do anos, outro ponto da cidade que se tornou palco das festas de São João foi a plataforma da Rodoviária do Plano Piloto. Imagens do acervo do Arquivo Público trazem recordações de como foi um desses festejos no local, em 1964.

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Plataforma da Rodoviária do Plano Piloto já foi palco de uma festa de São João

Divulgação/Arquivo Público do Distrito Federal

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O arraiá contou com apresentação musical para o público que compareceu no evento

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A festividade aconteceu no dia 25 de junho de 1964

Divulgação/Arquivo Público do Distrito Federal

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Homem aparece subindo em pau de sebo, típica brincadeira das festas juninas

Divulgação/Arquivo Público do Distrito Federal

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Encenação do Bumba Meu Boi durante festa junina

Divulgação/Arquivo Público do Distrito Federal

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Mesa de jurado parece avaliar apresentações do festejo

Divulgação/Arquivo Público do Distrito Federal

As fotografias contam que o evento junino contou com competição de quadrilhas, pessoas vestidas com trajes caipiras, show de um grupo de forró pé de serra e as famosas bandeirolas colorindo a rodoviária. Além disso, teve a apresentação do Bumba Meu Boi e, até mesmo, pessoas subindo no pau de sebo, típica brincadeira da data.

Memórias do ano 1981 também revelam registros do Arquivo Público de uma festa junina realizada pela Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap). A cobertura do evento, já em imagens com cor, vez parte de uma reportagem divulgada na época e traz os detalhes da festa. Confira:

Ainda nos anos 1970, o Iate Clube de Brasília promoveu mais uma festa junina, “a maior já realizada no Distrito Federal em todos os tempos”. O evento que ocorreu em comemoração a maioridade da instituição, contou com cerca de 5 mil pessoas, entre sócios e convidados.

Uma matéria que faz parte do arquivo do clube conta como foi a festividade, que teve duração de três dias no ano de 1978. As fotos registram um São João com barraquinhas, fogueiras, churrascos, quentão, jogos, dança ao ar livre com a Orquestra Super Som 2000, sanfoneiros, parque de diversões com roda gigante e personagens do universo Disney.

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Iate Clube fez a cobertura da festa junina de 1978

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Cerca de 5 mil pessoas entre sócios e convidados participaram da festa

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O evento teve duração de três dias

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A festa junina também contou com parque de diversões

Reprodução/ Iate Clube de Brasília

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As fotos registram um São João com barraquinhas, fogueiras, churrascos, quentão, jogos, dança ao ar livre com a Orquestra Super Som 2000, sanfoneiros, parque de diversões com roda gigante e personagens do universo Disney

Reprodução/ Iate Clube de Brasília

“Mais Mala Véia do que nunca!”

Outra característica forte das comemorações em Brasília são as quadrilhas juninas, que envolvem diversas competições e até disputa de troféu anualmente.

Segundo a Liga Independente de Quadrilhas Juninas do Distrito Federal e Entorno (LINQ-DFE), cerca de 3 mil pessoas participam dos eventos por ano. Atualmente, existem ao menos 22 quadrilhas profissionais na capital.

Fundada em 1980, a quadrilha Mala Véia, de Ceilândia, destacou-se como uma das primeiras do DF e é a mais antiga em atividade. Durante seus 44 anos de existência, foi coroada três vezes como campeã em Brasília e conquistou o título Nacional de Quadrilhas em 2006.

 

De acordo com o vice-presidente da liga, Kelvisson Santana, 34 anos, a quadrilha conta atualmente com 85 integrantes, entre bailarinos e equipe de apoio. Neste ano, o tema da apresentação é a entrada de Volta Seca no Cangaço, inspirada na obra Capitães da Areia, de Jorge Amado.

“Não é só dança por dança. É o resgate da cultura popular e um trabalho de socialização. Eu entrei no Mala Véia com 11 anos e, até hoje, estou aqui. O segredo pra perdurar por tantos anos é continuar essa tradição. Eu acho que é justamente a persistência. O amor pela arte junina, o movimento junino, é o caldinho do molho ali, né? Que é o que não deixa realmente acabar”, comenta Kelvisson.

Para grande parte dos integrantes, participar da quadrilha já faz parte da tradição de gerações dentro da família. “Estaticamente falando, Ceilândia é a região mais nordestina do DF. Aí acaba que o pessoal brilha os olhos quando vê nossas apresentações e todo mundo quer participar, principalmente os jovens. Quando eu e Stefano pegamos a presidência, queríamos fazer do grupo um local de acolhimento, uma válvula de escape, assim como era na nossa época, e tirá-los muitas vezes da realidade do crime”, diz o vice-presidente.

Há três anos, Ramon Gonçalves, 27, desempenha o papel de noivo da quadrilha. Em oito deles participando do grupo, o jovem sabe bem as particularidades das quadrilhas brasilienses.

“Quem participa de quadrilha profissional, como nós, na verdade, vivencia isso todos os dias. Não é só nessa época sazonal do ano. É o nosso estilo de vida. A nossa forma de dançar é diferente. As quadrilhas do DF carregam uma característica única, que é o ritmo arriuna, cada uma tem seu estilo”, comenta Ramon.

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Quadrilha Mala Véia, de Ceilândia (DF)

Nina Quintana/Metrópoles @ninaquintana

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Kelvisson Santana, Laura Coelho, Ramon Gonçalves, Pâmella Vitória, Kauan Martins e Jullya Gabriella

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Os noivos: Laura Coelho e Ramon Gonçalves

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Os cangaceiros Jullya Gabriella, Kauan Martins e Pâmella Vitória

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No centro, o vice-presidente da quadrilha Mala Véia, Kelvisson Santana

Nina Quintana/Metrópoles @ninaquintana

Cultura popular brasileira

Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan-DF), as festas juninas trazem elementos de origem do nordeste que são considerados bens imateriais, sendo eles as matrizes tradicionais do forró, o repente e a literatura de cordel.

Deyvesson Gusmão, diretor do Departamento de Patrimônio Imaterial do Iphan, avalia que as festas em homenagem a São João são uma grande expressão da cultura popular brasileira, que se manifestam primeiro pela devoção religiosa, sendo um evento que marca o calendário religioso, mobiliza o setor da economia criativa e promove a coesão social.

De acordo com ele, toda manifestação cultural é passível de mudanças, e com as festas juninas não seria diferente. “A gente tem outros bens culturais presentes em todo Brasil e que ao longo do tempo vão sendo adaptados a depender dos recursos. Essas diferenças acontecem porque os lugares condicionam a realização das festas, os temas abordados pelas quadrilhas juninas a elementos que tem a ver com a cultura local, de modo a se comunica melhor com a população daquela região”, complementa.

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