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Batalhão de vídeo polêmico já usou termo “favela” para simular combate

São Paulo — O batalhão da Polícia Militar de São Paulo que publicou um vídeo com tom que remete a rituais de grupos supremacistas havia se envolvido em outra polêmica, há quase seis anos, ao divulgar imagens de um treinamento de combate com suspeitos na “favela”.

A publicação do 9° Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep), de São José do Rio Preto e região, feita em agosto de 2019, mostra agentes simulando uma incursão em meio a tapumes com a inscrição “favela”. As fotos provocaram críticas nos comentários. “Que vergonha, pobres que trabalham como máquina de matar pobre”, escreveu um usuário.

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Nessa terça-feira (15/4), o mesmo perfil publicou um vídeo com policiais militares queimando uma cruz e fazendo gesto com tom que remete a rituais de grupos como a Ku Klux Klan, nos Estados Unidos.

A publicação foi tirada poucos minutos depois. A gravação, com direito a produção envolvendo imagens aéreas e trilha sonora, foi feita em um ambiente noturno. O vídeo tem pelo menos 14 PMs diante de uma cruz pegando fogo e uma trilha com o caminho marcado por fogo.

No fundo, aparece a palavra Baep também pegando fogo, além de bandeiras da corporação ao lado e viaturas da PM ligadas.

Na terça, a corporação havia informado que um procedimento foi instaurado para investigar as circunstâncias relativas ao caso, autodenominando-se como uma instituição legalista.

“A Instituição reafirma seu compromisso inegociável com a legalidade, o respeito aos direitos humanos e a defesa dos valores democráticos que orientam sua atuação há mais de 190 anos”, disse a PM.

“Doutrina de Rota”

O coronel PM da reserva José Vicente da Silva, ex-secretário nacional de Segurança Pública, definiu, em entrevista ao Metrópoles, como “muito diferente dos demais” o ritual dos policiais do 9° Baep. Para ele, o material expôs o que ele definiu como tentativa de uma “diferenciação sem sentido”:

“O que não tem sentido é que essas forças ditas especiais estão querendo se diferenciar das demais, como se fossem melhores, querendo mostrar um esforço diferente e, para isso, estão vestindo toda uma lógica que costumo chamar de ‘doutrina de Rota’. E infelizmente esses policiais acabam extrapolando, eles não fazem tanta parte assim do processo de prevenção das polícias e acabam querendo desprestigiar e reduzir a importância que tem o policiamento preventivo dos batalhões territoriais, como nós chamamos”, declarou.
Segundo o militar, os batalhões especiais, caso dos Baeps, “não são tão bons assim para o processo de prevenção” e os seus agentes não possuem “o mesmo conhecimento e interação com a população”, quando comparados com os PMs que atuam no dia a dia.

“Esses supostos heróis estão querendo se diferenciar dos demais. Eu não vejo sentido, isso deveria ser coibido, proibido, melhor dizendo, pelo comando da Polícia Militar, e parar com essa diferenciação absurda. Eu não vejo sentido, realmente… O soldado da PM faz um curso de 2.600 horas na formação. Daí, o Baep dá um cursinho de 30 horas e acha que vai formar um ‘PM plus’”, completou, em tom crítico.

Por outro lado, José Vicente da Silva entende que a posição do braço dos agentes, apontada como uma das polêmicas do vídeo por lembrar uma saudação nazista, é normal: “Colocaram o braço à frente, faz o juramento normal. Não é saudação [nazista]”, explicou.

“Coisa de Ku Klux Klan”

Já o especialista em segurança pública Rafael Alcadipani, também professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirmou ao Metrópoles que não considerou os movimentos dos braços dos policiais como sinais nazistas, embora tenha compreensão de que o movimento “tem essa conotação”. Para ele, o gesto pode representar “o juramento de um rito de passagem”.

No entanto, Alcadipani considera o vídeo completamente inadmissível e que a gravação lembra práticas da Ku Klux Klan:

“Infelizmente, quando a gente vê uma coisa dessa a gente lembra coisa de Ku Klux Klan. Isso é completamente inadmissível. Uma força de segurança não poderia estar usando símbolos da organização, viatura, coisas do Estado para fazer um vídeo que parece coisa de Ku Klux Klan”, opinou o especialista.

O que é Ku Klux Klan

A Ku Klux Klan (KKK) surgiu nos Estados Unidos, na segunda metade do século XIX, entre os anos de 1865 e 1866, na cidade de Tennessee, no sul do país.

Entre outras coisas, o movimento defendia ideias supremacistas brancos, promovendo atentados contra negros, recém-libertados pela 13ª Emenda Constitucional dos Estados Unidos. Brancos que de alguma forma defendiam os direitos dos negros também eram alvos dos ataques.

Ao longo dos anos de existência do grupo terrorista, os ataques continuaram sendo focados nos negros e incluíram os judeus a partir do século XX.

No ponto mais alto, o grupo terrorista contou com quatro milhões de membros na chamada segunda fase. Foi nessa época que a cruz em chamas se tornou um símbolo da klan.

No vídeo divulgado e apagado pelo Baep, um dos elementos é justamente uma cruz pegando fogo.

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